A Personalização é o Último Reduto
Porque é que os Broadcasters Devem Repensar a Relação com os Espectadores
Por João Tocha, Fundador – Digital Azul
A personalização tem vindo a transformar silenciosamente a forma como consumimos media. Não se trata de uma ambição futura; já chegou, integrada no último clique, no último deslizar, na última imagem antes de o espectador decidir se continua ou desiste. Para a Digital Azul, a personalização é a “última milha” da comunicação – o ponto em que a intenção encontra o indivíduo. E, no entanto, no universo da radiodifusão, essa milha permanece terreno irregular.
Enquanto plataformas como a Netflix, Spotify ou YouTube criaram ecossistemas inteiros assentes em recomendações personalizadas e algoritmos baseados no comportamento, grande parte dos media tradicionais continua a tratar os espectadores como uma audiência genérica. Não por desinteresse, mas porque a verdadeira personalização exige mais do que tecnologia. Requer intenção, estrutura e um compromisso real com o entendimento do público, não como um grupo demográfico, mas como indivíduos.
O que Está a Resultar e Quem o Está a Fazer
Não é preciso procurar muito para encontrar exemplos de sucesso. A funcionalidade Discover Weekly do Spotify continua a surpreender com listas de reprodução surpreendentemente acertadas. A página inicial da Netflix adapta-se constantemente ao estado de espírito, à hora do dia e até ao tipo de dispositivo utilizado. Não se trata de meros “extras”; é infraestrutura. E está construída com base em dados – provenientes de inícios de sessão, histórico de navegação, cliques, pausas e repetições.
O mais revelador é que muitos espectadores já não consideram estas interacções invulgares. Conteúdos personalizados tornaram-se expectáveis. Em contraste, os desportos em directo e os noticiários continuam a apresentar modelos generalistas. A publicidade regional existe há anos, mas poucos broadcasters conseguiram aplicar a personalização com o mesmo grau de detalhe que os seus pares nas plataformas digitais. Há um desfasamento entre o que é tecnicamente possível e o que é operacionalmente prioritário. E esse desfasamento importa – é aí que se pode perder a audiência.
A Camada Oculta da Confiança
Eis o paradoxo: quanto mais a personalização evolui, menos visível se torna. As pessoas estão bastante conscientes da publicidade personalizada nas redes sociais – muitas vezes até ao ponto do desconforto – mas muito menos quando isso ocorre no entretenimento. Isso torna a transparência essencial. Se a literacia mediática não acompanhar a sofisticação tecnológica, estaremos a comprometer a confiança.
Na Digital Azul, acreditamos que isso deve integrar uma educação mais ampla – ensinar não apenas o que se está a ver, mas porque se está a ver aquilo. Não encaramos isto como um fardo ético; vemos antes uma oportunidade. Espectadores que compreendem como os conteúdos funcionam, envolvem-se mais – não menos. Mas essa confiança depende de uma implementação consciente e de limites bem definidos, sobretudo depois de casos como o da Cambridge Analytica.
O Que é Realmente Possível Neste Momento?
A tecnologia está pronta. Inserção dinâmica de publicidade? Confirmado. Motores de recomendação baseados em IA? Tornaram-se norma. Agregação de dados entre plataformas? Já está em curso. O que falta é a mudança criativa – não uma substituição da narrativa pela automação, mas uma passagem do apelo massificado para a micro-relevância.
Não se trata de oferecer várias versões de um filme com ou sem música de fundo. Esse tipo de interactividade já existe desde os DVDs e nunca teve grande adesão. As pessoas continuam a querer histórias. Apenas desejam que essas histórias lhes cheguem de formas que reflictam as suas preferências, hábitos e ritmos de consumo.
Vale a Pena o Esforço?
Sim, é complexo. Sim, implica custos. Criar campanhas segmentadas, gerir dados comportamentais com responsabilidade e desenvolver interfaces inteligentes – nada disto é automático. Mas os resultados falam por si. Maior envolvimento. Lealdade reforçada. Melhor retorno sobre cada euro investido em conteúdos.
E não está reservado apenas aos gigantes tecnológicos. Broadcasters mais pequenos e criadores de nicho conseguem hoje competir utilizando as mesmas ferramentas personalizadas que outrora estavam ao alcance apenas dos grandes nomes – especialmente no universo OTT e nas redes sociais. A chave está na relevância. Acertando nesse ponto, até uma marca modesta consegue parecer tão ajustada e impactante como uma rede global.
O Que Vem a Seguir?
Não estamos a caminhar para um universo mediático hiper-interactivo, com histórias do tipo “escolhe o teu próprio percurso”. Não é isso que a maioria das audiências procura. O que se deseja é conteúdo que reconheça os gostos, respeite o tempo e não parta do princípio de que “toda a gente” é igual.
Na Digital Azul, encaramos a personalização não como uma tendência, mas como um princípio de concepção – algo que deve estar entrelaçado na própria arquitectura dos fluxos de trabalho da radiodifusão e do streaming. Desde a primeira conversa com uma marca até à última imagem que o espectador vê, tudo deve ser construído com o público em mente.